sexta-feira, 19 de junho de 2020

Como entregadores e apps de delivery trabalharam para manter você em casa

Como entregadores e apps de delivery trabalharam para manter você em casa

Serviço essencial, foi assim que o governo federal definiu delivery por aplicativos, no Diário Oficial da União de 21 de março de 2020. Dias antes, em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tinha elevado o status da COVID-19 — doença causada pelo novo coronavírus — à pandemia. Ponto de apoio fundamental para que as cidades pudessem seguir as recomendações do Ministério da Saúde e da OMS de manter o isolamento social, a demanda por entregas cresceu muito e mais gente passou a entregar.

Conversamos com executivos, entregadores de aplicativos e também com os Correios sobre como foi encarar os riscos da pandemia (considerados março, abril e maio) e fazer as entregas de todos esses pacotes, uns mais (ou menos) essenciais do que os outros.

Encarando a pandemia

Se muita gente fugiu do vírus, o desemprego e a redução de salário e/ou carga horária empurrou muitos trabalhadores, que ainda não estavam nele, para o mercado informal.

Um levantamento realizado pela empresa de inteligência RankMyAPP mostra que o número de downloads de aplicativos para quem deseja trabalhar com entregas no Brasil cresceu 212% nos meses de março e abril deste ano. Abril teve a maior adesão dos últimos seis meses, com aplicativos desta categoria instalados em mais de 22 milhões de celulares.

“O comportamento do usuário durante a pandemia é algo que acelerou muito essa mudança. Nossas pesquisas têm apresentado alto crescimento no número de downloads e visitas a determinados segmentos de apps e especificamente ao nicho de apps de delivery, tanto de usuários finais quanto de entregadores”, diz Leandro Scalise, CEO do RankMyApp.

A empresa não cita quais aplicativos foram usados neste levantamento de dados, mas entre os seus clientes estão plataformas como 99 e Rappi. A pesquisa trabalhou com dados de apps corporativos utilizados pelos grandes apps de delivery para cadastro de novos entregadores e o resultado é reforçado pelos próprios apps de delivery que confirmam crescimento recorde.

Edgar da Silva, presidente da AMABR (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil) explica, porém, que nem tudo cresceu. De acordo com o motofretista, há quatro tipos básicos de entregas, que se comportaram de maneira distinta na pandemia.

  • Mensageria: entregas administrativas contratadas por empresas, quase sempre envio de documentos, em que houve queda drástica com fechamento de escritórios;
  • Roteirizada: entregas de e-commerce em que o motofretista vai até o galpão, retira os produtos e cumpre um rota de entregas que depende das vendas do parceiro;
  • Delivery de comida: a mais popular entre os usuários de aplicativos de delivery e que demonstrou crescimento em todos os aplicativos consultados pelo Tecnoblog;
  • Compras de mercado: uma modalidade mais recente e que cresceu bastante baseada nas necessidades de consumidores em isolamento social, na pandemia.

“A quantidade de entregador que tem na rua é impressionante. Você chega nos lugares e lembra que não era assim. Foi coisa de alguns meses só, durante a pandemia”, observa.

Home office

Atuando em diversos setores, incluindo delivery de comida, e-commerce e mensageria, a Loggi confirma que o segmento corporativo foi um dos mais fortemente impactados. Berço da empresa no passado, o envio de documentos parou com escritórios fechados no país.

Ao Tecnoblog, Ariel Herszenhorn, vice-presidente de expansão da Loggi, disse que já trabalha pensando em um mundo pós-pandemia. “Uma parte a gente sabe que não vai retomar porque migrou para o digital. Eu falo isso por experiência própria, o número de contratos via DocuSing ou qualquer outra ferramenta aumentou muito. A gente entende que é bom, porque economiza muito papel, é um processo que já era antiquado antes [da COVID-19] e as pessoas só estão se readequando aos tempos modernos”, disse.

A queda foi rápida e abrupta. “Dentro de uma semana a dez dias já sentimos uma queda no mês de março e abril, de um patamar que a vinha operando, para cair em alguns segmentos 15% a 20% da média”, conta. Em contrapartida, farmácia, comida e e-commerce cresceram.




Loggi - Motofrete / Divulgação

Loggi – Motofrete / Divulgação

Mais funcionários no setor de entregas

Os Correios, principal operador de entregas do e-commerce no Brasil, encarou uma série de reclamações sobre atrasos em pacotes — sendo, no Rio de Janeiro, alvo de uma investigação do Procon-RJ. O diretor de negócios dos Correios, Alex do Nascimento, conta que funcionários que faziam parte do grupo de risco ou moravam com pessoas que faziam parte dele foram deslocados para o trabalho remoto, na expectativa de evitar a doença.

“Naturalmente, houve impacto no efetivo, representando um desafio adicional para a execução das operações, num momento de aumento da carga de encomendas”, explica.

Para rearranjar os processos, prazos foram ajustados e medidas de segurança para proteção de clientes e empregados, durante o cenário de pandemia, implementadas.

Nascimento conta, ainda, que houve contratação de mão de obra terceirizada, ampliação das linhas de transporte e tratamento especial de encomendas oriundas de transações eletrônicas (do e-commerce). Só no Rio de Janeiro, a conta chega a 2 mil terceirizados. Também foi ampliada a quantidade de horas extras para dar conta de tantos pacotes.




Carteiro Gilvanésio Santana, Asa Norte, Brasília,DF / Divulgação: Sandra Regina Santos/Correios

Carteiro Gilvanésio Santana, Asa Norte, Brasília,DF / Divulgação: Sandra Regina Santos/Correios

Entregas entre distâncias mais curtas, no entanto, foram absorvidas por empresas como a Loggi e a Rappi. Vale lembrar que até a Samsung anunciou uma parceria com o aplicativo para entregar celulares e notebooks para quem precisou de eletrônicos com urgência.

A Loggi sentiu o impacto positivo no segmento de farmácia de forma relevante: alta de quase 40%, justificada pelo investimento em higiene e também pela busca por medicamentos que antes eram comprados presencialmente. O e-commerce, que passou por muitas ondas (com segmentos que vendem bens mais básicos crescendo no começo e outros, como de vestuário e moda, caindo logo no início) no acumulado, também cresceu.

“Nas últimas semanas, o efeito de crescimento de e-commerce tem sido universal em quase todos os players. O mercado tem crescido, porque as pessoas viram um valor muito grande em receber os produtos em casa. Muita gente está migrando para o e-commerce e a entrega está viabilizando o consumo apesar do distanciamento”, aprova Herszenhorn.

Boom! de novos entregadores

A Rappi conta que viu um aumento de 111% no número de entregadores cadastrados na plataforma no Brasil. Sem revelar números absolutos, a startup aponta que houve, ainda, um aumento considerável nos entregadores de carro e também de mulheres no aplicativo.

Se na pré-pandemia, o app contava com 200 mil entregadores em toda a América Latina, atualmente esse número está próximo de 500 mil (seja de motocicleta, bicicleta ou carro).

Delivery Rappi / Pixabay / Imagem de Alexandre FUKUGAVA
Delivery Rappi / Pixabay / Imagem de Alexandre FUKUGAVA

“O que mais cresceu em número exponencial foi carro, tínhamos virtualmente muito pouco. Mas, com a questão das pessoas em casa, muitos motoristas de aplicativos de mobilidade urbana [como o Uber, por exemplo] migraram para ser entregadores da Rappi”, disse Vilela.

Na 99, houve um movimento parecido. Com o isolamento, reduziu-se a quantidade de pessoas em circulação nas ruas — o que naturalmente derrubou a demanda por carros de aluguel. Contudo, com as ruas vazias e a entrada de novos serviços como 99 Entregas e 99 Foods, carros conseguiram trabalhar com maior facilidade (principalmente no que diz respeito a encontrar vagas para estacionar) com delivery de comida, mercado ou de lojas.

“Com menos veículos na rua, os carros conseguiam fazer delivery. Se antes tínhamos de 5% a 10% de carros nessa modalidade, cresceu para mais de 20% [período de pandemia], diz Danilo Mansano, diretor geral da 99 Food, que tem entregas com carro, moto e a pé.

iFood e Uber Eats não tinham números para compartilhar sobre novos entregadores. Contudo, o relato de quem está nas ruas é de que há mais pessoas trabalhando ou querendo trabalhar nessas plataformas. Alguns entregadores contam que já estão operando em determinados aplicativos, mas que tiveram o cadastro posto “em espera” em outros.

Do escritório para a bicicleta

Junior Couto (38) que era auxiliar administrativo de uma rede de academias passou a trabalhar, há dois meses, com entregas de bicicleta no Rio de Janeiro. Cadastrou-se em todas as plataformas, mas só recebeu autorização para começar imediatamente no Uber Eats. Nas outras, o pedido segue em análise. Ele conta que tem recebido um bom valor de gorjetas, mas que os pedidos com maiores valores por entrega são aos fins de semana.

“Comecei a trabalhar com entregas justamente por causa da minha suspensão de contrato, que foi durante a pandemia. Acho que, com a volta do comércio, o número de pedidos vai aumentar, porque as pessoas terão dinheiro e farão mais pedidos nos aplicativos”, disse.

Couto, que também é músico, conta que o que ganhava com sua outra ocupação também zerou por causa da pandemia. Sem aglomerações, não é possível fazer shows. Diante dessas incertezas, ele diz que vai abandonar a bicicleta, mas segue no setor de entregas.

“Eu estou pensando em investir mais na parte da entregas e comprar uma moto”, conta.




Uber Eats / Pixabay / Imagem de Postcardtrip

Uber Eats / Pixabay / Imagem de Postcardtrip

De motociclista à motofretista

Silva, liderança da AMABR e que faz entregas há 19 anos, vê a chegada em massa de novos entregadores com preocupação. O aumento de entregadores que usam motocicleta também refletiu na maior busca por informações na associação que, parada por causa da COVID-19, tem orientado sobre cursos, abertura de MEI e outras questões importantes.

“A gente viu que os aplicativos sobrecarregaram as plataformas de pessoas com diferentes níveis de qualificação, algumas sem o curso de motofretista. Quando as empresas fecharam, os motociclistas que só usavam a moto para ir ao trabalho, entraram no aplicativo e passaram rodar como entregadores”, conta. De acordo com ele, esse novo contingente fez com que atuais cadastrados não sentissem o aumento no volume de serviço e ganhos.

Contudo, Silva explica que não se trata de uma visão de “reserva de mercado”, como pode parecer, mas uma preocupação com a segurança de quem está chegando agora, num setor que carece de atenção em muitos pontos. Segundo o Ministério da Saúde, motociclistas são os que mais se acidentam no trânsito. A cada dez atendimentos por acidente de transporte realizados em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), oito são entre motociclistas.

Para ser motofretista é preciso ser maior de 21 e ter dois anos de habilitação na categoria A, não estar cumprindo pena de suspensão do direito de dirigir ou cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e ter bons antecedentes criminais, além de fazer um curso.




Exigências para motofretistas / Contran / Emdec

Exigências para motofretistas / Contran / Emdec

A regra foi instituída pela Resolução Contran Nº 410/2012 e tem o objetivo de garantir aos motociclistas conhecimentos, a padronização de ações e atitude de segurança no trânsito.

Além de ter os olhos atentos à pista e usar todos os equipamentos de proteção, a pandemia trouxe a preocupação com segurança sanitária. Dos entregadores ouvidos, todos adotam medidas parecidas: a roupa do trabalho não é usada em casa e lavada logo assim que chegam da jornada, álcool em gel e máscaras laváveis fazem parte do uniforme, além de hábitos constantes de limpeza das mãos e do rosto com água e sabão ou álcool 70.

Não tem herói

Sem dúvidas, o que motiva centenas de milhares de entregadores no país a continuarem trabalhando na pandemia é a necessidade. Mas não há heróis, tampouco uma visão romantizada do que é correr riscos todos os dias. Andréa Lindenberg, infectologista e professora do curso de Medicina da Uniderp, aponta que a medida em que eles [os entregadores] circulam pela cidade, em diversos ambientes, terão contato com pessoas.

Essas pessoas podem estar desde a fase pré-sintomática (elas já têm o vírus e ainda não manifestaram a doença) ou podem estar na fase sintomática (muitas vezes com poucos sintomas aparentes). Algumas com a máscara e boas condições de higiene; outras não.

“O ideal é que esse encontro seja o menos próximo possível. Ou seja, o mais distante que se permitir, de acordo com a atividade. E que, na medida do possível, ambos utilizem a máscara, com cobertura do nariz e da boca, e mantenha uma higiene contínua das mãos. O ideal é lavar com água e sabão. Se não for possível, utilizar o álcool em gel”, recomenda.




Álcool em gel / Kelly Sikkema / Unsplash

Álcool em gel / Kelly Sikkema / Unsplash

A prevenção ainda deve vir de quem recebe os pedidos. Ou seja, evitar ter contato com o entregador se estiver doente ou com sintomas respiratórios e preferir que se deixe o pedido na porta ou numa área comum da residência. A limpeza vale também para as embalagens.

Entrega sem contato e ações de apoio

Rappi, iFood, Uber Eats e outros aplicativos de delivery optaram por investir na informação como parte da prevenção. Além da orientação para a higienização de embalagens, os apps criaram maneiras de permitir que o usuário mantivesse a rotina de pedidos, sem ter contato físico, realizando pagamentos digitais — dispensando a maquininha do cartão ou o dinheiro em espécie — e, muitas vezes, pegando o pedido deixado na porta, após o entregador sair.

As empresas do setor afirmam que adotaram protocolos de segurança, fizeram a distribuição de EPIs e compartilharam materiais digitais com informações de prevenção.

Também foram criados fundos, que garantem o pagamento baseado na média de ganho do entregador, por cerca de duas semanas, em caso de afastamento, desde que o colaborador entre em contato, por meio do app, e comunique sua condição, comprovada por meio de atestado médico ou atendimento virtual com avaliação dos sintomas do vírus (telemedicina).

O total de entregadores que acionaram e foram atendidos não foi revelado pelos aplicativos.

Ainda que a maioria das cidades tenha optado por flexibilizar o isolamento social, com abertura parcial do comércio, o cuidado na prevenção do novo coronavírus precisa seguir.

Quem for às agências dos Correios, por exemplo, vai notar itens como máscaras laváveis, álcool em gel e telas de acrílico nos guichês como novos acessórios do dia a dia nas lojas. Os carteiros, agentes no trabalho de rua, também vão chegar na sua casa com a máscara.

Consumo recorrente

Álcool em gel e EPIs foram entregues pelos maiores aplicativos de delivery do país para colaboradores que conseguiram comparecer aos locais de distribuição. Alguns aplicativos adotaram e medida de reembolso, para ajudar nos custos desses itens, indispensáveis.

Contudo, são itens de consumo rápido, principalmente para quem tem tantos contatos diariamente, seja com os funcionários do restaurante parceiro, funcionários de edifícios e centros comerciais e também, na outra ponta, os próprios clientes que fizeram o pedido.

“Um litro de álcool em gel não dura para sempre. Além do custo da manutenção da moto, do combustível, entra também o dos EPIs. Temos contato da hora que saímos de casa até a hora que voltamos. Não dura uma semana, se for usado da forma correta”, lembra Silva.

Não pode relaxar!

A COVID-19 impôs novos hábitos e cuidados que vieram para ficar. “Os Correios ajustaram o processo de entrega sem a exigência de assinatura, com comprovação eletrônica, reduzindo o contato entre carteiro e destinatário. Também habilitamos o serviço de coleta de encomendas, lançamos novas soluções digitais para envio de cartas, novos canais de atendimento e, com o programa AproxiME, disponibilizamos soluções integradas para o e-commerce das micro e pequenas empresas”, explica Nascimento, já no pós-pandemia.

Para quem está na rua trabalhando, a recomendação, além da limpeza de mãos — sempre em contato com papelão, plástico e papel, no caso das entregas — é criar uma “área suja” dentro de casa; lá afastar a roupa do trabalho e objetos como celular, carteira e chaves. Além disso, fazer uma higiene corporal (banho) antes de ter contato com seus familiares.

“A pandemia está trazendo o ‘novo normal’, onde coisas que os infectologistas já falavam agora estão virando rotina. O que a gente sempre recomendou foi uma higiene adequada das mãos, mesmo antes da COVID-19. Independente de vias aéreas, a mão é a maior fonte de contaminação [porque tocamos o rosto várias vezes ao dia]”, conclui Lindenberg.




Arsenal de produtos de limpeza / Unsplash

Arsenal de produtos de limpeza / Unsplash

De acordo com a profissional de saúde, não é hora de pensar em afrouxar as regras no que diz respeito a higiene. “Em hipótese nenhuma a gente pode relaxar a questão da higiene. Ninguém sabe se, no futuro, teremos novas ondas de COVID-19. Que agora diminuam as infecções e, em outro momento, a gente tenha aumento de casos. Não é hora de relaxar nada. Temos que seguir as orientações e ver o que futuro nos reserva”, conclui a médica.

Supermercado e farmácia

Deu-se uma mudança no comportamento dos consumidores. De acordo com a Rappi, houve um aumento de 300% na demanda, considerando março e abril e o vertical que mais cresceu foi o de supermercado, que até então perdia de lavada para os restaurantes.

“Entre as cidades [o crescimento] foi super homogêneo, mas é muito relacionado a como a COVID-19 se espalha e se alastra no Brasil. O que é muito diferente é o crescimento entre verticais. Em restaurantes, você tem um crescimento considerável na casa dos dois dígitos. Mas, todo o crescimento consistente, em três dígitos, está presente principalmente em supermercados e farmácias”, diz Fernando Vilela, que é diretor de estratégia da Rappi.

O executivo conta que a empresa contratou mais personal shoppers (funcionários da Rappi que separam as compras em grandes varejos parceiros) e também viu maior receptividade de parceiros que não viam sentido estar na Rappi, mas aderiram ao aplicativo na pandemia.




99 Food / Divulgação

99 Food / Divulgação

A James conta que o aumento nas adesões de novos estabelecimentos por de mais de 200% e, com a variedade de negócio, categorias não muito usuais começaram a aparecer com mais frequência, como lojas de shoppings, panificadoras (padarias) e até pet shops.

Em movimento similar a Rappi, para atender o aumento da demanda no James, foram contratados funcionários temporários para a função de shoppers, assim como ampliado o número de entregadores autônomos. O app foi adquirido no final de 2018 pelo GPA (Grupo Pão de Açúcar) e conta com maior integração física e tecnológica com lojas parceiras ou do grupo como Pão de Açúcar e Extra, além das redes Raia Drogasil (farmácias) e Iguatemi.

Nascimento, conta, sem revelar os números dos Correios, que houve aumento significativo no volume de encomendas, em consequência do uso do comércio eletrônico na pandemia.

“Com o isolamento social, novos vendedores e compradores buscaram alternativas no comércio online, isso também abriu espaço para compra à distância de itens de necessidade básica”, pontua. As regiões Sudeste e Sul tiveram um aumento mais intenso.

Carona de barco

Ainda sobre os Correios, Nascimento conta que houve redução na quantidade de encomendas internacionais, impactadas pelas dificuldades de logística — dada a forte redução de voos e também pelo câmbio. Contudo, a entidade espera em breve o retorno das encomendas internacionais. Foi feito um acordo com o Correio Chinês para viabilizar o transporte de carga parada do e-commerce por via marítima. As primeiras remessas já chegaram ao Brasil e esse recurso deve operar, em breve, para outras origens também.

Algoritmos e o equilíbrio do ecossistema

Luiza Rizzo (23), universitária e entregadora, conta que observou que a demanda por pedidos de comida estava muito alta nos aplicativos em que usa para trabalhar, em especial no iFood, mas que também notou que o número de entregadores aumentou muito no bairro em que circula no Rio de Janeiro durante os meses de isolamento social na cidade.

“Estamos tendo que trabalhar mais horas para fazer o mesmo valor que fazíamos antes, por que não está dando conta. Pessoas que não trabalhavam de madrugada, estão tendo que trabalhar no horário, e isso é mais perigoso. Ainda mais pra mim, que sou mulher”, lamenta.




Delivery noturno / Brett Jordan / Unsplash

Delivery noturno / Brett Jordan / Unsplash

A jovem diz que tem feito cerca de 12h de trabalho por dia. “Antes era eu e mais dois [que fazíamos entregas aqui na região, de bicicleta]. Agora, tem uns vinte entregadores”, avalia.

O delivery de comida explodiu e absorveu a massa de novos entregadores. Em geral, os aplicativos mantiveram as portas abertas e ganharam novos colaboradores — havendo, mais recentemente, filas de novos cadastrados “em espera”. Herszenhorn explica que a Loggi sempre está aberta para novos motofretistas (sendo todos MEI, onde há agências da própria Loggi), mas foi cuidadosa em garantir o rendimento de quem já estava no sistema.

“Se você estiver na plataforma, vai ser valorizado. O filtro está na entrada de novos entregadores. Não houve uma aceleração [neste processo]”, revelou ao Tecnoblog.

No acumulado, mais pessoas estavam disponíveis para realizar as entregas pela plataforma. Mas, notou-se que, muita gente optou por parar — por ser grupo de risco, por exemplo. “Mas, de maneira geral, vimos um aumento [de entregadores ativos]. O número de cadastros aumentou. A gente é que dosou a entrada na plataforma”, complementa.

Gorjetas e Taxas

Se durante a pandemia, o ganho dos entregadores por entrega realizada não aumentou, em geral, os aplicativos de delivery contam que houve um movimento, por parte de quem faz os pedidos, de crescer os valores das gorjetas — uma forma, dentro do possível, de agradecer.

Sabe-se que, durante o isolamento, o iFood, por exemplo, aumentou a taxa de entrega para restaurantes (nos valores cobrados ao cliente final). Na ocasião, a empresa não confirmou se o aumento no valor da entrega seria repassado aos entregadores que são remunerados de maneira variável, levando em conta distância percorrida, cidade e dia da semana.

Operando com dois planos para estabelecimentos, funciona mais ou menos assim: o plano Básico (sem entregador) custa R$ 100 mensais para vendas acima de R$ 1.800 no mês, com taxa de 12% sobre o valor do pedido, mais 3,5% para os pagamentos feitos diretamente no app (referente à taxa cobrada pelos cartões); o plano Entrega (com entregador) custa R$ 130 mensais para vendas acima de R$ 1.800, com taxa de 27%.

São esses valores que mantém a empresa de delivery funcionando. Já o sustento dos entregadores vem, diretamente, do que recebem por entrega realizada pela plataforma. A empresa afirmou, na época, que as taxas de entrega “acompanharão o dinamismo do mercado” para “manter o nível de serviço e de pedidos para todos os restaurantes”.

Caixinha em dobro

Para incentivar gorjetas mais robustas, a Rappi aumentou o valor das gorjetas sugeridas no aplicativo, que antes começavam em R$ 1. “Entendendo que determinados tipos de serviços se tornaram mais complexos, a gente revisou dentro do aplicativo os valores sugeridos de gorjetas. Justamente para estimular o usuário que está fazendo uma compra grande, a nossa gorjeta sugerida é R$ 5 e não R$ 1. Se compra é mais sofisticada. Nada mais justo do que você, se possível oferecer, uma gorjeta mais alta”, pontua Vilela.

Já a 99 Food dobrou a gorjeta, completando o valor dado pelo cliente. “Se o cliente dá R$ 5, nós completamos com mais R$ 5. Vimos também que muitas entregas não chegam a ser realizadas porque os clientes dedicam pedido para o próprio entregador”, disse Mansano.

O iFood e o James foram pelo mesmo caminho. Lucas Ceschin, CEO do James, conta que o objetivo foi reconhecer a atuação dos entregadores autônomos em um momento que as pessoas precisam ficar em casa, mas não podem deixar de fazer compras de itens essenciais. “Criamos um mecanismo de gorjeta em dobro para estimular que o cliente dê gorjeta para o entregador. O James também paga o mesmo valor para o parceiro”, disse.

Dos entregadores ouvidos, todos confirmaram estarem recebendo mais caixinha. Recurso que o Uber Eats estendeu, também, aos restaurantes. Sendo assim, os usuários podem contribuir com um valor extra em empreendimentos que estão enfrentando um período sem precedentes e que, na maioria das vezes, depende exclusivamente do serviço de delivery.




James Delivery / Divulgação

James Delivery / Divulgação

Faz a diferença

“A gorjeta faz a diferença e a caixinha é bem-vinda, qualquer valor adicional é bem-vindo. Mas, o ideal é ganhar valores melhores por entrega. Entendo que, em vez de aumentar o valor [das entregas], passou-se a responsabilidade para o cliente”, reflete Silva (AMABR).

O valor que um entregador recebe por mês, trabalhando com aplicativos de delivery, varia muito e isso tem relação com o modal usado (moto, carro, bicicleta ou mesmo a pé), a plataforma escolhida, os dias da semana trabalhados e as horas em que ficam conectados no aplicativos — além de topar ou não participar de promoções em horários diferenciados, taxas de preços dinâmicos que podem ocorrer ou não e também das gorjetas dos clientes.

Em geral, entregadores de bicicleta relataram que ganham menos, um pouco mais de um salário mínimo, trabalhando sete dias por semana. Para eles, a gorjeta faz toda a diferença. Quem entrega de moto ou de carro, ganha melhor. Fazem entregas de objetos maiores e mais pesados, em endereços mais distantes, mas enfrentam também os custos do veículo.

“Existe uma conta básica que um autônomo deve fazer: separar os seus gastas fixos e a depreciação das ferramentas de trabalho [manutenção da moto, celular, equipamento de proteção, baú…]”, explica Silva, que não vê os valores das taxas pagas aos entregadores como justas. “A pandemia só fez a gente ser visto. O problema é muito maior”, completa.

Novo cenário, novos serviços…

O isolamento social chacoalhou outro mercado, o dos aplicativos de mobilidade — Uber, 99 e Cabify são alguns deles. As empresas contam que colocaram em curso projetos de entregas que já estavam planejados desde 2019 e, com a pandemia, tiveram boa receptividade. Demanda que já existia por parte do cliente e manteve motoristas atuando.

A 99 enveredou pelo delivery no país com 99 Entregas e 99 Food. Ambos compartilham da marca e do aplicativo da 99, sob o chapéu da Didi Chuxing (que adquiriu a 99 em 2018).

Com a experiência em território asiático, a empresa chinesa viu que, no Brasil e no México, ainda tinha muito espaço para crescer. De acordo com Danilo Mansano, diretor geral da 99 Food, na China, o tamanho do mercado atualmente é de cerca de 30 milhões de pedidos de comida por dia. Uma cifra próxima do volume mensal de pedidos de comida aqui no Brasil.




Cabify / Foto: Divulgação

Cabify / Foto: Divulgação

O Cabify Entregas seria lançado só no segundo semestre, mas a empresa acabou antecipando, justamente pela necessidade dos clientes. Como “fregueses”, a Cabify entende tanto o motorista, como o passageiro ou demandantes do setor corporativo.

Carolinne Iglesias, head de parcerias e marketing da Cabify Brasil, conta que o Cabify Entregas veio para ficar. “Uma das nossas principais preocupações é não incentivar o passageiro a ir para a rua, principalmente no momento de quarentena, em que os governos determinam para a gente ficar dentro de casa”, disse, revelando mais alguns detalhes.

“A Cabify se enquadra em qualquer necessidade a partir de uma entrega”, completa. Há parcerias, inclusive, com empresas de comida congelada para entregas solicitadas por negócio. No entanto, a Cabify só trabalha com carros privados e táxis, até o momento.

O modelo foi bem recebido, ela garante. Grande parte dos nossos motorista da base aceitaram esse modelo do Cabify Entrega, justamente pela proposta de estar sempre em movimento e garantir a renda mesmo em um momento tão difícil como esse”, encerra.

A Uber já tinha o Uber Eats para comida e, na pandemia, lançou o Uber Flash, para encomendas. Em Seattle, a Uber afirmou publicamente que perdeu 70% das viagens, diretamente afetada pelo novo coronavírus. A empresa não divulgou dados locais para o Brasil, mas a situação é esperada em qualquer região atingida pelo vírus no mundo.

De acordo com a Uber, o Uber Flash veio para colaborar com o distanciamento social, além de possibilitar uma opção complementar de ganhos para os motoristas parceiros. Dentro do Uber Eats algumas coisas também mudaram. Já no início da quarentena, o Eats passou a incluir delivery de negócios como farmácias, lojas de conveniência, pet shops e floriculturas.

Entre as boas práticas no envio de pacotes por aplicativo, estão o uso do porta-mala do veículo (se possível, sem o objeto passar pelas mãos do motorista) e a menor comunicação possível entre as partes. O uso de álcool em gel e máscara seguem recomendados.

Nem tão essencial assim…

Se por um lado o delivery é serviço essencial para muita gente — com entregas indispensáveis como farmácia e supermercado — os bastidores dos aplicativos revelam pedidos nem tão essenciais assim… em parte, catapultados pelo isolamento social.

Para a 99 Food, que vem aumentando as cidades atendidas no país e cadastrando bares e restaurantes para começar a atuar em outros municípios, houve um boom! de pedidos em novos horários. “O comportamento do usuário de pedido de comida era de indulgência, era um momento mais de lazer, com pedidos feitos à noite e no fim de semana. Esse comportamento mudou, com pedidos também de café da manhã e almoço”, diz Mansano.

No aplicativo, Belo Horizonte viu um alto volume de pedidos de açaí e Curitiba pediu muita, muita pizza. Os tipos de pedidos são afetados pelo o que os restaurantes podem oferecer mas, também, pelas demandas reprimidas das lojas físicas fechadas e até por propaganda.

Chocolate, sex shop e modinhas

A Rappi, que não é um aplicativo apenas de entrega de comida, mas que oferece de tudo um pouco e mais alguma coisa, viu um movimento inesperado em alguns setores de venda.

“Eu diria que depende muito do que o consumidor classifica como essencial. Vimos [na Rappi] uma explosão gigante de venda de chocolate. Não sei se chocolate é tão essencial assim… Sex shop também teve uma explosão de vendas. Vimos outra explosão de vendas em brinquedos. Vimos um pouco de tudo e também de novas modinhas”, recorda Vilela.




Comfort Food / Andrew Herashchenko / Unsplash

Comfort Food / Andrew Herashchenko / Unsplash

Muito do que se vende online é influenciado por publicidade e, também, por tendências nas redes sociais. Pão, bolo e pudim estão entre as receitas com maior audiência no YouTube.

Segundo o Google, a média de visualizações diárias de vídeos com o termo “receitas fáceis” no título aumentou 49% de 15 a 31 de março, se comparado com o resto deste ano.

Comfort food, quem nunca?

O diretor da Rappi apontou, ainda, como é curioso ver o quanto novas modas reverberam no delivery. “Teve uma época que todo mundo falava de bolo de cenoura no Instagram. Aí quando você olhava entre os itens mais vendidos estava: farinha, cenoura, ovo, chocolate em pó e leite condensado. Vê-se o quanto a dinâmica do Instagram e das redes sociais, mesmo com as pessoas em casa, super influenciam as tendências do consumidor”, disse.

Contudo, no Uber Eats, o comfort food tomou conta — a comida reconfortante, aquela ligada ao nosso lado afetivo como sanduíches e wraps — e vem ganhando tanto terreno quanto as sobremesas na América Latina. Itens como bolos e sorvetes também se tornaram uma tendência entre os usuários da plataforma da Uber, na região, nas últimas semanas.

Em suma, podemos dizer que temos mais restaurantes cadastrados nas plataformas (alguns que jamais pensaram em estar lá), mais entregadores (que também jamais pensaram em perder seus empregos por causa de uma pandemia), novos comportamentos de consumo (que adotamos às vezes sem pensar) e muita, muita, história para contar.

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